Introdução Histórica
1. O Direito Romano e sua influência
O direito romano na altura dos descobrimentos do século XVI era aplicado em grande parte dos países da Europa. Entre os quais Portugal.
As terras descobertas por Portugal foram objecto de ocupação conforme o instituto romano correspondente e aceite pelo direito lusitano da época. Houve, por essa ocasião, a posse das terras descobertas. Era instalado um marco como símbolo da posse.
Toda a história dos territórios descobertos, nos primeiros séculos, pode ser analisada à luz do direito romano. Daí que até ao presente nas antigas colónias que se tornaram independentes após o movimento de 25 de Abril de 1974, o direito desses Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) é um direito essencialmente de base romanística. Ainda que, com diferente estatuto é o direito vigente em Macau como Região Administrativa Especial da República Popular da China, após 20 de Dezembro de 1999 e até 20 de Dezembro de 2049, por força da Declaração Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau assinada entre Portugal e a China em 13 de Abril de 1987. A questão de Timor-Leste onde o português é uma das línguas oficiais e membro da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP). Macau solicitou a sua adesão, bem como países terceiros como o Senegal, Guiné Equatorial, Marrocos, Andorra e Filipinas.
As Ordenações do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, têm as suas raízes no direito romano. A continuidade do direito romano está presente para lá do nosso Código Civil em particular, e no sistema jurídico em geral, nas legislações desses países, salientando a de Macau, onde os Códigos são cópias quase fiéis, e o Código Civil é o paradigma do nosso Código Civil. As Ordenações serviram muitas das vezes como a ponte de ligação entre a época antiga e a época actual. O nosso Código Civil está para os portugueses e macaenses como o Corpus Júris Civillis estava para os romanos.
2. A expressão direito romano:
SENTIDOS
Direito que vigorou por 12 séculos:
- Designa o conjunto de regras jurídicas que vigoraram no império romano durante cerca de 12 séculos, ou seja, desde a fundação da Cidade de Roma, em 753 a.C., até à morte do Imperador Justiniano, em 565 depois de Cristo (para alguns até 1453).
Direito privado romano:
- Num segundo sentido, direito romano é a expressão que designa apenas, uma parte daquele direito, isto é, o direito privado romano, com exclusão do direito público que não atingiu, em Roma, o mesmo grau de desenvolvimento e perfeição que aquele outro ramo, a ponto de haver um romanista afirmando: Os romanos foram gigantes do direito privado e pigmeus do direito público.
Direito de Corpus Júris Civillis:
- A expressão direito romano é empregue ainda para designar o Corpus Júris Civillis, conjunto ordenado das regras e princípios jurídicos, reduzidos a um corpo único, sistemático, harmónico, mas formado de várias partes, planeado e levado a efeito no século VI por ordem do Imperador Justiniano, de Constantinopla, monumento jurídico da maior importância, que atravessou os séculos e chegou até aos nossos dias.
3. Importância do estudo do direito romano
Embora o Império Romano tenha deixado de existir e, com ele, tenham ficado sem vigência as normas jurídicas que o regeram, três razões que justificam de modo amplo o estudo das instituições jurídicas daquele povo:
Ordem histórica:
· Os romanos construíram o monumento mais completo, sistemático e perfeito de toda a antiguidade. O direito romano que floresceu por mais de mil anos é um vasto campo de observação, verdadeiro laboratório do direito.
Ordem prática:
· Numerosos institutos do direito romano não morreram, estão vivos, ou exactamente sem mudanças, ou com alterações tão pequenas que se reconhecem, ainda, nos seus modernos institutos, como, nas obrigações, diversos tipos de contratos (a compra e venda, o mútuo, o comodato, o depósito, o penhor, a hipoteca);
· O direito de Justiniano estudado em toda a Europa, desde o século XII e aceite oficialmente, na Alemanha, em fins do século XV, teve grande influência na formação do direito actual, reflectindo-se na redacção dos modernos códigos e, em especial, no Código Civil francês de 21 de Março de 1804 e no Código Civil alemão, de 1900;
· Além disso, na Escócia e na África do Sul, até há bem pouco tempo o direito romano encontrava quase integral aplicação. Todo o estudo do direito comparado, na nossa época é fundamentado nos institutos que remontam ao direito romano.
Ordem técnica – jurídica
· O estudo do direito romano é indispensável para a formação do verdadeiro jurista, visto que, em Roma, pontificaram os mestres supremos do Direito, técnicos exímios que empregaram, na interpretação dos casos e das respectivas leis, uma arte extremamente perfeita, até hoje insuperável.
· Os romanos foram os primeiros a organizar o direito, tirando da casuística diária as regras jurídicas, classificando-as e aplicando-as, em seguida, a novos casos.
- Divisão do direito romano em fases ou períodos para estudo
O direito romano apresenta-se como um bloco maciço, mas para facilidade de estudo os romanistas costumam dividi-lo em períodos, preferindo cada autor uma determinada divisão, alguns utilizam de critérios políticos, outros o conteúdo das normas, ou ainda, os institutos jurídicos em áreas.
A classificação que se baseia na história das instituições políticas, divide o direito romano em períodos, contando-se as datas a partir da fundação da cidade de Roma:
1. Realeza (753 -510)
2. República (510 – 27)
3. Alto Império (27 – 284)
4. Baixo-império (284 – 565)
5. Bizantino (565 a 1453)
5. Métodos ou processos para o estudo do direito romano
Diversos métodos ou processos foram empregues através dos séculos, até aos dias de hoje, para o estudo do direito romano, citando-se, entre os mais conhecidos, o exegético, o dogmático, o histórico e o moderno.
Método exegético:
- Foi seguido pelos glosadores que explicavam ou comentavam (glosae) o Corpus Júris Civilis, na famosa Escola de Bolonha, inaugurado por Irnério, notável jurista da época, a lucerna júris.
- Os glosadores tomavam como ponto de referência o texto legal, o Corpus Júris, e iam glosando as passagens. As explicações eram depois resumidas em sínteses, as sumas summae.
Método dogmático:
- O método dogmático era utilizado por Bártolo, jurisconsulto italiano do século XIV, e pelos seus seguidores, os bartolistas, que consideravam o direito romano de Justiniano a própria razão escrita, motivo por que o utilizavam como verdadeira fonte legislativa, aplicando-o, nos tribunais, para resolver os casos da época.
Método histórico:
- Foi usado no Renascimento. Apoiando-se na história e na crítica dos textos, impôs-se pelo rigor científico da interpretação e pelo apoio que lhe deu Anciato, jurisconsulto italiano, nascido na cidade de Milão (1492-1550) E Cujácio, jurisconsulto francês, natural da cidade de Toulouse (1520-1590). Ao invés de interpretar o direito romano, num sentido prático, adaptando-o aos novos tempos, procuraram estes romanistas restituir aos textos o seu valor real, dentro da própria vida romana onde os institutos se desenvolveram.
Método Moderno:
- O método moderno estuda o direito romano como um sistema jurídico do passado, sem procurar aplicá-lo; considera o direito em si e por si (jus gratia júris);
- Os romanistas actuais examinam os textos de todas as épocas e não apenas os da compilação de Justiniano, interpretando-os de acordo com os rigorosos processos da moderna hermenêutica; restituem as falhas segundo os princípios da crítica verbal, restaurando-lhes a pureza originária; procuram chegar tão próximo quanto possível das linhas romanas de cada instituto, surpreendendo-o em toda a sua inteireza, dentro do espírito exacto do mundo jurídico romano da antiguidade.
- O estudo comparativo e sociológico acaba por completar o exame integral das instituições romanas que nasceram e evoluíram sob a ordem jurídica romana.
6. Exposição sistemática do direito privado romano
Sempre foi objecto de preocupação, o estudo e a exposição sistemática do direito privado romano e, a principiar pelo jurisconsulto Gaio, um plano de exposição foi apresentado: todo o direito romano ou diz respeito às pessoas, ou às coisas ou às acções (Gaio, Institutas, I,8), sendo que a tríplice distinção de Gaio – pessoas, coisas, acções – atravessou os séculos, sendo ainda hoje seguida em obras de grandes romanistas.
Um plano sistemático de estudo do direito romano segue a seguinte ordem: história, pessoas, coisas, obrigações, sucessões e o processo.
Tal sistemática justifica-se considerando:
- Pela história situa-se o direito romano, dando-se uma síntese geral dos principais acontecimentos, relacionados com o sistema jurídico da época;
- Em segundo lugar, estudam-se as pessoas, visto que, sem agrupamento humano não existe direito. Onde há sociedade, há direito; em torno da pessoa, gira todo o direito;
- As pessoas necessitam de bens para viver, de coisas que se encontram no mundo;
- Entrando em contacto duas ou mais pessoas, formam-se laços jurídicos entre elas; obrigam-se por meio de relações jurídicas, daí o estudo das obrigações;
- As pessoas nascem, vivem e morrem, sempre regidas pelo direito. Ao morrerem, abre-se a sucessão, surgem os herdeiros, transmitem-se os bens e as obrigações.
- Finalmente estuda-se a acção, ou seja, o direito de demandar perante o magistrado aquilo que nos é devido; a acção, objecto do processo civil romano (Celso, Digesto, 44,7,51.
7. Noções básicas de Direito Romano
No estudo do direito romano, deve-se tem em consideração algumas noções fundamentais:
A palavra direito:
- Não conheciam os antigos romanos a palavra direito, porque o vocábulo congnato e etimológico deste – directus - era um adjectivo que significava: que é conforme à linha recta.
- O vocábulo que traduz o nosso actual direito é, em latim, o vocábulo lo jus. O vocábulo jus, júris, pertence à mesma raiz do verbo jubere, ordenar, ou prende-se à mesma raiz do verbo jurare, jurar. O jus é o sagrado, o consagrado.
O direito:
- O direito pode ser entendido como norma agendi e como facultas agendi. No primeiro sentido, que é o sentido objectivo, direito é o conjunto de normas jurídicas criadas governo. É a lei.
- No segundo sentido, que é o sentido subjectivo, direito é a possibilidade que tem uma pessoa de fazer o que essa norma não proíbe e de exigir que tal faculdade seja respeitada. É a faculdade de inovar a lei.
O direito e a religião:
Desde nos tempos mais remotos, era patente a distinção entre o direito e a religião entre os romanos:
- O jus - o que a Cidade permite que se faça – não se confunde com o jas - aquilo que é permitido pela religião. O jus é do domínio dos homens. O jas é do domínio de Deus;
- Os jurisconsultos clássicos não confundiam o jus divinum com o jus humanum e tal distinção aparece a cada passo, nos vários
âmbitos do direito, como, por exemplo, no direito das coisas: res ¨humani¨ iuris e res ¨divini¨ iuris.
Jurisprudência - a ciência do direito:
Nas Institutas do Imperador Justiniano uma definição da ciência do direito - Jurisprudentia -, em que se acham mesclados elementos humanos, religiosos, filosóficos e morais: Jurisprudência (ou Ciência do direito) é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do que é justo e do que é injusto (Institutas, I, 1,1).
Os textos demonstram que as noções de ético e de jurídico não se encontravam claramente estabelecidas entre os jurisconsultos romanos, o que explica a influência dos filósofos gregos.
Era comum a filosofia grega ter a supremacia da moral, ciência geral das acções humanas, sobre o Direito, mera parte da actividade do homem.
O direito definia-se como a arte do bem e do equitativo (Digesto, I, a, 1, pr. e § 1º), o que demonstra a identificação entre a moral (- arte do bem), e o direito (- arte do equitativo).
Um texto de Ulpiano afirma que os preceitos do direito são viver honestamente, não prejudicar outrem, dar a cada um o que é seu (Digesto, I, 1,1; Institutas, I, 1,3).
O jurisconsulto Paulo numa célebre passagem, ensina que nem tudo que é permitido (pelo direito) é honesto (Digesto, ro, 17, 144,1).
A análise deste excerto mostra que se o direito permite coisas que a moral censura é porque o domínio de ambos é diferente.
Classificação dicotómica do direito de Ulpiano
Preocuparam-se também os romanos em dividir o direito, mostrando, na classificação dicotómica de Ulpiano reproduzida por Justiniano, que o estudo deste compreende dois ramos principais: o público e o privado, sendo o primeiro o que tem por finalidade a organização da república romana e o segundo o que diz respeito ao interesse dos particulares (Institutas de Justiniano, I, a,4, e D. 1,1,2).
O princípio romano da distinção entre os dois ramos do direito – público e privado – é o critério finalístico. É o fim (e não a origem e as sanções, ou o objecto, como hoje fazemos) que serve de marco separador entre os dois campos: a organização da república romana – o campo do direito público, regulado pelas formas do jus publicum; a utilidade, o interesse particular – o âmbito do jus privatum.
Definição de direito dentro do espírito do direito romano:
Direito é o conjunto das regras de justiça ou de utilidade social relativas à organização dos poderes públicos, da família e às relações económicas dos homens.
8. Direito Privado Romano e as suas subdivisões:
Os direitos latinos fazem referência a muitas divisões e subdivisões do direito privado:
- Jurisconsulto Gaio: direito civil, direito das gentes e direito natural (Institutas de Gaio, I, 1); Nas Institutas de Justiniano também faz referência a esta tripartição.
- A divisão bipartida em jus civile e jus gentium é bem romana:
Jus civile ou jus Quiritium é o direito próprio e peculiar dos cidadãos romanos. É mais antigo, mais restrito, mais rígido. Predominou nos primeiros tempos;
Jus gentium surge mais tarde, tem um âmbito mais amplo, aparecendo quando Roma estende as suas conquistas e entra em contacto com outros povos. É um direito comum a todos os povos - gentes - do vastíssimo mundo romano - orbis romanus.
- O jus gentium é considerado por Gaio, mais racional que o jus civile, aproximando-se pela sua universalidade do jus naturale.
Direito Natural
- Foi das obras dos filósofos gregos que Cícero extraiu a sua definição do jus naturale, que ficou famosa:
Há uma lei verdadeira, segundo a natureza, difundida entre todos os homens, constante e eterna (De República, 3,22,33).
- Jurisconsultos romanos – dupla concepção do jus naturale:
Direito natural - direito que a natureza ensinou a todos os animais, racionais e irracionais;
Sentido jurídico de direito natural – direito comum a todos os seres racionais, abrangendo escravos e bárbaros, mesmo fora do mundo romano.
Aspectos comparativos entre: jus naturale – jus civile e jus gentium:
- Considerando que o jus naturale é um direito comum a todos os seres racionais, o número de pessoas cujas acções seriam reguladas pelo jus naturale é muito mais numeroso do que as que vivem sob o jus gentium.
- Difere ainda o jus naturale do jus civile e do jus gentium pelas suas fontes, porque se estes dois ramos do direito derivam do costume, das leis, da doutrina dos jurisconsultos, o direito natural é oriundo da razão e da providência divina, existindo desde épocas imemoriais, encontrando-se entre todos os povos do mundo e, reunindo, em si, o traço característico da continuidade. Provém da razão inspirada por uma entidade divina; é imutável, contínuo e universal.
9. Fontes do direito romano
O direito forma-se a partir de determinadas fontes. Fontes que variam conforme os agrupamentos que lhe dãoorigem.
No direito romano, classificam-se as fontes em escritas (jus scriptum) e não escritas (jus non scriptum).
· Jus non scriptum é o costume
· Jus scriptum é constituído pela lei, plebiscitos, senatosconsultos, constituições imperiais, éditos dos magistrados e respostas dos prudentes.
10 Direito civil e direito pretoriano
Ao lado do direito civil, mais antigo, mais conservador, estrito e formalista, vai-se constituindo, aos poucos, um outro direito, mais novo, menos formalista, adaptado às circunstâncias do momento: é o direito honorário, porque emana dos magistrados investidos das funções públicas, honores (pretores, edis curuis, governadores). É também denominado de direito pretoriano ou do pretor.
Este direito honorário ou pretoriano, criado pelos magistrados, ao contrário do jus civile, que deriva de fontes legislativas e da doutrina dos jurisconsultos, nem sempre está em conflito com este.
Ao ser chamado a intervir o pretor geralmente confirma ou completa o direito civil, fazendo, neste caso papel análogo ao que fazem os nossos tribunais com a jurisprudência, mas às vezes surgem casos de oposição, lutando, então, o pretor no sentido de corrigir o direito civil, acomodando-o às novas exigências sociais, políticas ou económicas, estabelecendo, novos modelos jurídicos, em antagonismo com os modelos velhos, que são abandonados, por inadequados.
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