Conceito de biopoder em Foucault
O conceito de biopoder (e biopolítica) foi cunhado originalmente por Michel Foucault,
no primeiro volume do seu História da Sexualidade. A idéia de biopoder veio se juntar
às reflexões sobre as práticas disciplinares, ambas técnicas de exercício de poder,
particularmente a partir do século XVIII e XIX. As disciplinas se voltavam para o
indivíduo, e para o seu corpo, para a sua normalização e adestramento através das
diversas instituições modernas que esse indivíduo atravessava durante a sua vida (a
escola, a caserna, a fábrica, o hospital, a prisão, e etc.). Eram instituições que
docilizavam os corpos e os tornavam aptos à produção industrial, vigente enquanto
produção central nessa fase do capitalismo. Segundo Foucault (1988, p.151), as
disciplinas centravam-se “no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação
de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e
docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e econômicos”. O poder
disciplinar age através da inscrição desses corpos em espaços determinados, do controle
do tempo sobre eles (rapidez para maximização da produção e etc.), da vigilância
contínua e permanente, e da produção de saber, conhecimento, por meio dessas práticas
de poder (Machado,1979, p. XVII).
[a disciplina] É o diagrama de um poder que não atua do
exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus
elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica o tipo de
homem necessário ao funcionamento e manutenção da
sociedade industrial, capitalista. (idem, XIX)
Se a disciplina agia sobre os indivíduos, o biopoder, segundo Foucault, agia sobre a
espécie, “no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como
suporte dos processos biológicos” (1988, p. 152). E sobre esse corpo-espécie, o
biopoder cuidava de processos como nascimentos e mortalidades, da saúde da
população (doenças e epidemias, por exemplo), da longevidade, e etc. O biopoder é a
gestão da vida como um todo, técnicas de poder sobre o biológico, que vira central nas
discussões políticas. Modificá-lo, transformá-lo, aperfeiçoá-lo eram objetivos do
biopoder, e, é claro, produzir conhecimento, saber sobre ele, para melhor manejá-lo.
Assim como a disciplina foi necessária na docilização do corpo produtivo fabril, o
biopoder foi também muito importante para o desenvolvimento do capitalismo, ao
controlar a população e adequá-la aos processos econômicos. “O investimento sobre o
corpo vivo, sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis
naquele momento” (Foucault, 1988, p. 154).
Foucault fala, então, de uma mudança fundamental no modo como a vida é encarada
pelo poder. Nas Sociedades de Soberania, o soberano detém o direito sobre a vida e a
morte de seus súditos, particularmente nos casos em que o primeiro se encontra
ameaçado – seja devido a inimigos externos, que provoquem guerras, expondo assim a
vida dos súditos nas batalhas, seja o próprio súdito, que se levanta contra o soberano, e
deve então ser morto como castigo. De qualquer forma, o poder aí se exerce no limite
da vida. Segundo Foucault “o direito que é formulado como ‘de vida e morte’ é, de fato,
o direito de causar a morte e deixar viver” (1988, p. 148). Nas Sociedades
Disciplinares, no entanto, o poder sobre a vida não vai mais se voltar para os momentos
em que ela pode ser extinta. Pelo contrário, o biopoder vai tratar de gerir a vida em toda
a sua extensão, de organizá-la, majorá-la, vigiá-la, para que possa ser incluída, de forma
controlada, nos aparelhos de produção capitalistas. De fato, não se trata mais de uma lei
que vise a morte, trata-se de “distribuir os vivos em um domínio de valor e utilidade”
(idem, p. 157). É uma lei normalizadora, que vai se utilizar de diversos aparelhos
(médicos, administrativos) para regular a vida.
Mas, esse processo que levou à vida ao objeto máximo das investida das tecnologias do
poder, também a colocou no centro das lutas contra esse poder. A vida, os direitos sobre
ela, sobre o corpo, a felicidade, o ser vivo, se transformaram no foco das lutas políticas,
das resistências:
O que é reivindicado e serve de objetivo é a vida, entendida
como as necessidades fundamentais, a essência concreta do
homem, a realização de suas virtualidades, a plenitude do
possível. Pouco importa que se trate ou não de utopia: temos aí
um processo bem real de luta; a vida como objeto político foi
de algum modo tomada ao pé da letra e voltada para o sistema
que tentava controlá-la. (Foucault, 1988, p. 158).
retirado de :http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:SNH0GkNtgMoJ:cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Carlos%2520Roberto%2520Calenti%2520Trindade.pdf+biopolitica&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESjjy8zNnM9Abg9SvNosGUaF8zUGcKmiqDya14oH0xgYO_a1flFfsjWHRANueZCsgPIGpBSISQz83YNXVOShk88pAUtP_EGb8GVbOchRVmDMtnO0vThDSJvE6XGFcPlqFK6x2l8b&sig=AHIEtbThg4FpUf2Hm2DT83IJTdUKqbm0Fw
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