(Re) Pensando o Direito

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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

História do direito privado moderno e as mutações do pensamento jurídico europeu conforme Franz Wieacker1.

Sem sombra de dúvida aquele que quiser se esbaldar na leitura
de uma obra densa e repleta de curiosidades históricas, não poderá
deixar de ler a obra de Franz Wieaker, “História do direito privado
moderno”, 3ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, traduzido por
A. M. Botelho Hespanha a qual nomina em sua nota à tradução de “obra
que – qualquer que tenha sido ou venha a ser a evolução da reflexão
histórica e metodológica sobre o direito europeu – constitui um dos
documentos mais importantes do pensamento histórico-jurídico
contemporâneo”.
Diante de tal afirmativa, nota-se que está-se diante, pois, de obra
de peso que merece atenção total do estudioso do direito.
Entre uma de suas explanações extremamente importante está
aquela onde visualiza quatro grandes mutações no pensamento jurídico
europeu, sendo elas:
[...] o aparecimento de uma ciência jurídica europeia nos
séculos XII a XIV; a sua expansão (recepção) por toda a
Europa nos séculos XIII a XVI; aparecimento e predomínio
espiritual do moderno direito natural nos séculos XVII e XVIII; a
Escola Histórica e o positivismo legal e conceitual do século
XIX; e, finalmente, o colapso do positivismo e a crise do direito,
já no nosso século.
A partir daí, inicia a conceituar fase por fase, assim o fazendo
sobre a primeira delas:A história do direito privado moderno inicia-se, na Europa, com
a redescoberta do Corpus Iuris justinianeu. Uma ciência
jurídica europeia surgiu, quando, pelos inícios da alta Idade
Média, as formas de comentário e de ensino trivium, herdadas
da antiguidade, foram aplicadas ao estudo do Corpus Iuris
justinianeu. O jurista formado nestas escolas cedo começou,
inicialmente ainda como clérigo, a desempenhar funções de
direcção técnica na diplomacia, na administração e, pouco a
pouco, na jurisprudência dos territórios e Estados nacionais
europeus. O seu predomínio na vida pública institui para
sempre o carácter essencialmente jurídico – i.e., determinado
pela discussão racional da problemática técnico-jurídica – que
distinguiu até hoje a sociedade ocidental de outras culturas
nossas conhecidas, e sem o qual a sociedade, Estado e
Economia – ou ainda o actual domínio da vida pela técnica
socialmente organizada – não seriam concebíveis.
Assim, entende Franz Wieacker que o primeiro grande momento
de formação da história do direito privado europeu é a influência do
Corpus Iuris justinianeu como paradigma ao início de um pensamento
que balizaria uma linha jurídica na Alemanha.
Como segundo momento, diz:
A ‘recepção’ do direito romano na Europa ocidental e central
não constitui senão a expansão espacial deste fenómeno
científico e social. Na Alemanha, a recepção foi muito
favorecida, depois de certo atraso inicial, pela dissolução do
poder central real e pela crescente pulverização local e
corporativa do direito e da jurisdição. Ao mesmo tempo, porém,
o encontro com uma cultura jurídica espontânea pouco tocada
pelas influências da antiguidade, provocou aqui uma crise de
assimilação mais duradoura que na Europa central e
meridional. O resultado foi, por fim, uma supremacia quase
completa de uma jurisprudência comum e europeia sobre a
realidade social da vida jurídica alemã.
Diante disso, aponta Franz Wieacker para uma construção sólida
da jurisprudência alemã com seus próprios problemas internos, ou seja,
construiu-se uma linha de decisões judiciais com base nos problemas
sociais, políticos e jurídicos de sua nação, o que fortaleceu, ainda mais, o
seu direito e irradiou efeitos pela Europa.
Em terceiro lugar, aponta:
A partir da dissolução dos antigos poderes universais e da
reforma começou a afrouxar-se nos Estados nacionais
europeus e nos territórios alemães a unidade do ius commune
europeu, teoricamente fundada na ideia de império. Já o
idealismo e o racionalismo do humanismo tinham socavado a
antiga autoridade dos textos jurídicos justinianeus, apesar de
um renovado entusiasmo pelo direito romano da antiguidade.
No usus modernus institui-se uma prática do direito já não
universal, progressiva, apesar do seu estilo tradicional, e
realisticamente adequada aos problemas do momento. Com
ele se formou, inicialmente, à margem das Faculdade Jurídicas
e dos poderes dominantes, a moderna versão do direito natural
– que iria transformar radicalmente as concepções jurídicas no
decurso dos dois séculos seguintes. O direito natural da
antiguidade fora doptado da Igreja e inserido pela escolástica
do século XIII, na sua versão aristotélica, no sistema da sua
filosofia; a filosofia da escolástica tardia já tinha explorado
todas as virtualidades dialácticas dos seus problemas
fundamentais. Depois das lutas religiosas do início da Idade
Moderna o direito natural emancipou-se da teologia moral sob
a influência da nova imagem fisicalista do mundo; baseava
agora os seus postulados, não já sobre a vontade do Criador
ou a ordem da criação, mas sobre as necessidades da razão e
a experiência da realidade.
Então, fortalece o jusracionalismo, que emancipa-se dos braços
da Igreja e inicia um caminho diferente, analisando cada caso através da
razão e da experiência da realidade. Nota-se como se fortalece o direito
europeu progressivamente, vencendo paradigmas até então pouco
contestados pelo homem.
Por fim, traz o que entende como quarto momento, ao discorrer:
Entretanto, na Europa central, a consciência cultural da
burguesia em ascensão ergueu-se contra o espírito tutelar dos
planificadores absolutistas; contra a crença anti-histórica na lei
do iluminismo tardio e da revolução francesa, ergueu-se o
nascente sentido histórico e a compreensão orgânica da vida
dos românticos; contra a preterição da ciência e o olvido da
tradição romana, o neo-humanismo do virar do século, por
volta de 1800. Quando os ‘Fundamentos metafísicos do direito’,
de Kant, derrubaram, com meios filosóficos, o apriorismo
ingénuo do direito natural racionalista, estas tendências
uniram-se, na Escola Histórica do direito, no sentido de uma
visão histórica mais aprofundada das fontes jurídicas romanas
(e alemãs) e de uma renovação total da ciência jurídica
positiva. Em vez da filosofia moral da iluminismo, cada vez
mais banalizada, foi uma ciência jurídica segura de si que
exigiu então como tarefa própria a fundamentação do direito;
foi-se tornando dominante a convicção de que o direito se
esgotaria na suma das teses jurídico-dogmáticas, e, depois, a
de que ele se esgotava na suma das prescrições legais. Com
isto, a ciência jurídica perdeu, pela primeira vez, aquele
carácter de moral sobreposta ao direito positivo que fora
próprio do direito natural medieval ou do jusracionalismo
moderno; daí que ela tenha ficado na convicção, muito
tributária do jusrscionalismo, de que através do sistema e da
concatenação lógica dos conceitos gerais se poderia atingir o
direito justo.
Por fim, aponta Franz Wieacker para a crise do positivismo
jurídico, crise ainda hoje discutida em países como o nosso.
Nota-se que o direito privado europeu foi construído sob bases
sólidas, respeitando a história do direito, das sociedades, nas nunca se
conformando com aquilo que era paradigmas para elas. O rompimento
ideológico com outras formas de pensar, quer no direito, quer na filosofia,
na teologia ou outra forma qualquer, apenas demonstram que o direito
alemão fixou suas raízes jurídicas sobrepostas a outros estudos já
consagrados, mas tendo a coragem de modificá-los quando a sua
sociedade assim o exigiu. Parte disso sempre ocorreu com os ideais do
direito alemão o qual irradiou efeitos por alguns países europeus.
Por fim, recomenda-se a leitura da obra a todos aqueles que
queiram saber mais da construção do direito privado moderno.

texto retirado de :http://www.ajdd.com.br/artigos/art24.pdf

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