(Re) Pensando o Direito

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domingo, 16 de outubro de 2011

TEMAS ESSENCIAIS DE TEORIA DO DIREITO: NORMA JURÍDICA E PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

Willis Santiago Guerra Filho
Professor Titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professor dos cursos de mestrado e doutorado em direito da PUC-SP. Doutor em Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Livre Docente em Filosofia do Direito pela UFC.

I
SOBRE A NORMA JURÍDICA

A norma jurídica é comumente tida como fenômeno jurídico nuclear. M. Pavchnik, por exemplo,1 refere-se às normas jurídicas como “o componente normativo fundamental do Direito” (“grundlegender normativer Bestandteil des Rechts”). A idéia, contudo, já se encontra em obra clássica dessa matéria: “Como las proposiciones en que se contiene un deber reciben la denominación de normas, el Derecho se manifiesta como um conjunto de normas dadas”.2
Daí que a norma jurídica ainda durante muito tempo, certamente, continuará sendo objeto dos mais acalorados debates entre teóricos do Direito. Talvez o mais importante desses debates, nos últimos tempos, tenha sido aquele entre Herbert Hart e Ronald Dworkin, quando este último questionou o modelo de ordem jurídica, proposto pelo primeiro, como formado por um sistema de regras, postulando a necessidade de que se
reconheça igualmente princípios como parte desse sistema e, logo, como norma jurídica.1 A recepção dessa proposta de superação do positivismo, no continente europeu – e, a partir de lá, também entre nós -, se deve a autores contemporâneos, como Robert Alexy,2 especialmente em sua Teoria dos Direitos Fundamentais.3 É nessa mesma obra que o A. recoloca o problema do conceito de norma jurídica, considerando que se trata de questão que parece não ter fim, pois a resposta a ela depende do conceito que cada autor tem sobre a natureza e objeto da ciência do direito,4 do que nos ocupamos anteriormente.
Atualmente, no paradigma predominante, constata-se uma mudança de perspectiva ou, pelo menos, o aparecimento de outras perspectivas para o estudo do Direito, que não aquela exclusivamente normativa – em geral, igualmente, formalista. Sob um aspecto estritamente lógico-formal (e lógico-deôntico), contudo, permanece válido o enquadramento da norma jurídica na categoria geral das proposições prescritivas. Proposição é um conjunto articulado de palavras donde emana um significado, isto é, que comunica algo inteligível. Ao lado das proposições prescritivas existem as proposições
descritivas, que se manifestam como leis físicas ou, melhor dizendo, que são regidas pelo principio da causalidade, expressando, portanto, uma cadeia de causas e efeitos.
O Direito positivo se exprime através de locuções como "estar facultado a fazer ou omitir", "estar obrigado a fazer ou omitir", "estar impedido de fazer ou omitir", donde o caráter prescritivo de suas normas. A proposição jurídica, como explica Lourival Vilanova, "não descreve como fisicamente, biologicamente, psicologicamente um homem está engajado num ir-e-vir no espaço físico e social, relacionando esse movimento com efeito e causas físicas, biológicas, psicológicas e sociológicas".1 Daí se dizer que aos fenômenos jurídicos, e logo, à ciência jurídica, não cabe uma aferição de sua verdade ou falsidade. Uma proposição descritiva (declarativa, teorética) poderá ser verdadeira ou falsa, dependente que é de uma verificação empírica das hipóteses que avente. Os enunciados prescritivos, por outro lado, na medida em que envolvem juízos de valor, poderão ser declarados, mutatis mutandi, válidos ou inválidos, eficazes ou ineficazes, justos ou injustos, e jamais, universalmente verdadeiros ou falsos.
É essa circunstância que para autores como o já referido Mestre pernambucano, Lourival Vilanova – e antes dele, como veremos em seguida, Hans Kelsen -, viabiliza uma ciência jurídica, constituída de proposições que não reclamam uma validade universal, mas adequam-se ao contexto em que se inserem. Portanto, o fato de haver contradições entre normas de diversos 
sistemas de direito positivo, histórica e geograficamente distintos, não invalidaria a pretensão da dogmática jurídica, enquanto exposição sistemática de determinado ordenamento jurídico, de se apresentar como científica, pois caberia a ela velar pela inexistência de contradições no interior do específico sistema de direito positivo que tem por objeto de estudo. Apenas nestas circunstâncias pode-se falar em veracidade das proposições jurídicas como uma qualidade que adquirem quando relacionadas corretamente, tendo em vista o ordenamento jurídico em que se inserem sistematicamente.1
As proposições jurídico-normativas possibilitariam a incidência de nossas faculdades cognitivas sobre o Direito, descrevendo as normas de determinado ordenamento positivo. Abrir-se-ia, então, a via de acesso para uma elaboração propriamente científica do Direito, que não se confundisse com a sua função de controle social. Só em relação às proposições normativas seria possível falar em verdade ou falsidade de enunciados jurídicos, quais sejam, aqueles que se expressam sobre normas, dizendo algo de sua adequação aos princípios lógico-formais, especialmente o da não-contradição.
Já as normas atenderiam à função prescritiva do Direito, postas - ou impostas - que são pelos órgãos jurídicos competentes. Delas, enquanto entes axiológicos, se pode predicar sua validade ou não, em vista de dada ordem jurídica vigente - jamais sua verdade ou falsidade.
Exposta sucintamente a teoria de Kelsen, não é de se desprezar as críticas passíveis de lhe serem atribuídas, a luz de teorias mais recentes
sobre o Direito, que apesar de imensamente devedoras do pensamento pioneiro daquele grande teórico, não restringem-se aos seus estritos limites, como é próprio de todo o conhecimento humano, por natureza evolutivo.
Do ponto de vista formal é criticável a distinção entre norma e proposição normativa pelo fato de ambas, isoladamente consideradas, isto é, abstraindo-se o contexto em que estejam inseridas, serem absolutamente idênticas, uma vez que a fórmula proposicional utilizável para expressá-las é a mesma: Dado o fato de uma conduta ilícita (rechtswidriges Verhalten), deve ser (Soll) atuada uma sanção jurídica. Ora, a cópula será descritiva, conferindo à fórmula a natureza de um juízo hipotético, quando se tratar de uma proposição normativa (Rechtssatz); prescritiva, tornando-a um comando ou uma permissão, quando se tratar da norma jurídica propriamente dita (Rechtsnorm).1
Assim, tanto na norma "Se A comete um furto, deve ser punido", como na assertiva "É direito válido (vigente) que se A comete um furto, deve ser punido", o termo deve tem sempre o mesmo significado de "juridicamente necessário". É por isso que Larenz conscientemente rejeita a distinção entre norma e proposição jurídica, posto que para ele, em ambos os casos se trata de um “princípio ordenador de vigência”.2
De fato, a norma jurídica pode aparecer como uma proposição com
um sentido mais técnico, do que propriamente coercitivo, como é o caso da norma jurídica processual, que em geral prescreve uma regra técnica, de cuja observância vela o juiz, com vista à obtenção do resultado final do processo, a decisão judicial. Essa decisão, por sua vez, é uma norma jurídica concreta e individual, que, em substância, não difere de uma ordem ou mandato, isto é, de um “imperativo concreto”. Normas jurídicas, portanto, como toda norma, são proposições que prescrevem uma determinada conduta humana, qualificando-a como proibida, obrigatória, permitida ou facultada. O que torna jurídica uma norma não é nenhuma propriedade ou característica intrínseca sua, mas sim a pertinência a uma ordem jurídica objetiva.1 Embora seja muito difícil conceber um esquema em que se enquadrem todas as normas jurídicas – bem como todas as prescrições que integram um ordenamento2 jurídico, pois praticamente todo tipo de prescrição se pode encontrar naqueles mais complexos -3 pode-se dizer, seguindo a von Wright, que elas
são compostas de um operador normativo ou funtor deôntico, que lhe confere seu caráter (permissivo, obrigatório etc.), e de uma descrição indicativa da ação ou omissão desejável, bem como da “condição de aplicação da norma” (Tatbestand, fattispecie, operative fact, hipotese legal, em alemão, italiano, inglês e espanhol, respectivamente).
Um último aspecto que se deve aqui necessariamente abordar é referente às normas jurídicas que têm a natureza de princípio, por serem a expressão deôntica de um “dever ser puro”, um valor, que adquire conotação jurídica ao ser consagrado em uma ordem jurídica. Tais normas são bastante diversas das prescrições e normas jurídicas em geral, que seriam outra espécie do mesmo gênero, à qual se pode denominar regras.
Já se torna cada vez mais difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito contemporânea, que, em uma fase "pós-positivista",1 com a superação dialética da antítese entre o positivismo e o
jusnaturalismo, distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da conseqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios, por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade,1 donde a sua relatividade ou dimension of weight (dimensão de peso) ou “ponderabilidade”, como sugerem Dworkin e Alexy, ao contrário dos valores, que são absolutos, reclamando uma obediência incondicional. Daí se afirmar que os princípios impliquem sempre em “determinações de otimização” (Optimierungsgebote, na expressão de ROBERT ALEXY),2 cumpridas na medida das possibilidades, fáticas e jurídicas, concretamente dadas.
Esse desenvolvimento recente em sede de teoria do direito resulta, precisamente, de uma aproximação dessa da prática interpretativa de textos constitucionais, revelada no exercício da jurisdição constitucional por parte das Cortes a que essa é atribuída, bem como da doutrina elaborada levando em conta essa prática, municiando-a com um quadro teórico justificativo. São os chamados "hard cases", as questões mais tormentosas, aquelas que terminam sendo examinadas no exercício da jurisdição constitucional, as quais não se resolve satisfatoriamente com o emprego apenas de regras 
urídica, mas demandam o recurso aos princípios, para que sejam solucionadas em sintonia com o fundamento constitucional da ordem jurídica.1
Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras e princípios, pode continuar a ser concebida, à la KELSEN, como formada por normas que se situam em distintos patamares, conforme o seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um ordenamento jurídico de estrutura escalonada (Stufenbau). No patamar mais inferior, com o maior grau de concreção, estariam aquelas normas ditas individuais, como a sentença, que incidem sobre situação jurídica determinada, à qual se reporta a decisão judicial. O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princípios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração. O importante, nesse contexto, é que se atente para a incomensurabilidade entre os níveis de abstração em que se encontram princípios e regras, a despeito da diferença existente na abstração dessas normas em si mesmas consideradas, isto é, das diversas regras e princípios entre si. E isso porque os princípios não contemplam nenhuma referência a um hipótese normativa, nem concreta – como, por exemplo, ocorre nas sentenças -, nem abstrata – como, v.g., nas
leis.
Em sendo assim, ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto constitucional. Tendo por base a terminologia proposta por GOMES CANOTILHO,1 inspirado em modelo germânico, pode-se elencar, como espécies de princípios, em ordem crescente de abstratividade, "princípios constitucionais especiais", "princípios constitucionais gerais" e "princípios estruturantes". Esses últimos são aqueles que traduzem as opções políticas fundamentais, sobre as quais repousa toda a ordem constitucional e, logo, toda a ordem jurídica, e que seriam, no Direito brasileiro, como deflui já do "Preâmbulo" e do primeiro artigo de nossa Constituição, o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, bem como o princípio federativo. O princípio da isonomia pode ser apontado como um dos princípios constitucionais gerais, assim como a isonomia entre homens e mulheres, referida no Art. 5o., inc. I, seria exemplo de princípio constitucional especial.
A ordem jurídica, então, vai-se mostrar como um entrelaçado de regras e princípios; um conjunto de normas que, em diferentes graus, concretizam uma idéia-retora, a qual, de um ponto de vista filosófico, meta-positivo, pode ser entendida como a "idéia do Direito" (Rechtsidee), fórmula sintetizadora das idéias de paz jurídica e justiça,2 mas que, para nós, se condensa
positivamente na fórmula política adotada em nossa Constituição: "Estado Democrático de Direito".
Uma constatação que se faz absolutamente necessária, no que toca a natureza diversa de regras e princípios, dá-se quando ocorre um choque entre suas disposições. Assim, caso sejam duas regras que dispõem diferentemente sobre uma mesma situação ocorre um excesso normativo, uma antinomia jurídica, que deve ser afastada com base em critérios que, em geral, são fornecidos pelo próprio ordenamento jurídico, para que se mantenha sua unidade e coerência. Essas, aliás, são exigências que se pode fazer decorrer da própria isonomia, com seu imperativo de que se regule igualmente situações idênticas. Já com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois eles, na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica específica, considerados da forma abstrata como se apresentam para nós, no texto constitucional, não entram em choque diretamente, são compatíveis (ou “compatibilizáveis”) uns com os outros. Contudo, ao procurarmos solucionar um caso concreto, que não é resolvido de modo satisfatório aplicando-se as regras pertinentes ao mesmo, inquirindo dos princípios envolvidos no caso, logo se percebe que esses princípios se acham em um estado de tensão conflitiva, ou mesmo, em rota de colisão. A decisão tomada, em tais casos, sempre irá privilegiar um (ou alguns) dos princípios, em detrimento de outro(s), embora todos eles se mantenham íntegros em sua validade e apenas diminuídos, circunstancial e pontualmente, em sua eficácia.
Esse estado potencial de conflito dos princípios de um ordenamento jurídico se vê já naquela fórmula política da nossa Constituição, há pouco
mencionada, que condensa dois princípios estruturantes de nosso sistema jurídico, o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, pois na medida em que eles se implicam mutuamente, pode-se imaginar que o respeito unilateral de um deles leve ao desrespeito do outro. Exemplificando, tem-se a situação de exagero no atendimento ao princípio democrático levando ao desvio excessivo de poderes para o legislativo – ou, mesmo, diretamente para o Povo -, rompendo-se, assim, o equilíbrio entre os poderes estatais, e, com isso, desatendendo ao princípio do Estado de Direito, com comprometimento da própria democracia, pela insegurança institucional daí resultante.
Do mesmo modo, pode-se figurar situações em que um excessivo apego à igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei, exigência do princípio do Estado de Direito, leve a que se esqueça a desigualdade material entre eles, e se cometa ofensa ao princípio democrático, o que termina desvirtuando o próprio sentido da isonomia.1 Em ambas as hipóteses, para evitar o excesso de obediência a um princípio que destrói o outro, e termina aniquilando os dois, deve-se lançar mão daquele que, por isso mesmo, há de ser considerado o "princípio dos princípios": o princípio da proporcionalidade.2

SOBRE O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

O problema maior a ser enfrentado é o de entender a ordem jurídica constitucional, que fornece o fundamento mesmo da ordem jurídica como um todo, nas circunstâncias atuais, de extrema complexidade e transformações tão velozes da ambiência social onde esta ordem se insere – e deve regular.
Necessitamos, então, desenvolver um modelo adequado do sistema constitucional, para ficar à altura da tarefa de orientarmo-nos diante da situação nova com que nos deparamos, no constitucionalismo atual, sendo precisamente no âmbito do constitucionalismo onde se desenvolvem os estudos mais avançados em teoria do direito, hoje. É assim que se desenha uma ordem jurídica formada por dois tipos básicos de normas: regras, reportando-se diretamente a condutas ou situações determinadas, e princípios, que positivam juridicamente certos valores.1 Daí resulta uma ordenação em que as primeiras são entendidas e validadas pela sua referência aos últimos, os quais, por sua vez, possuem graus diversos de relevância para atingi­r a finalidade maior de um sistema jurídico democrático: legalidade, com respeito à dignidade humana.
Uma das características dos princípios jurídicos que melhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração, na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a nenhuma espécie de situação fática, que dê suporte à incidência de norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras e ­princípios, pode continuar a ser concebida, à la Kelsen, como formada por normas que se ­situam em
distintos patamares, conforme o seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um ordenamento jurídico de estrutura escalonada (Stufenbau). No patamar mais inferior, com o maior grau de concreção, estariam aquelas normas ditas individuais, como a sentença, que inci­dem sobre situação jurídica determinada, à qual se reporta a decisão judicial. O grau de abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais regras, e sim, princí­pios, dentre os quais, contudo, se pode distinguir aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração. A ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil deduzir, será o texto constitucional.
A aplicação das normas jurídicas, especialmente em se tratando dos princípios, por seu turno, requer procedimentos instituciona­lizados e, também, procedimentos (meramente) cognitivos, realizados no âmbito dos primeiros, onde se dá o confronto de diversas ar­gumentações, a respeito das inúmeras possibilidades de interpretação dessas normas, para aplicá-las, criando assim as condições para ­discussões e decisões cuja racionalidade se pode aferir, na medida em que são objetivamente fundamentadas.1
Para resolver o grande dilema da interpretação constitucional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, se preconiza o recurso a um "princípio dos princípios", o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma "solução de compromisso", na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos
princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando totalmente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu "núcleo essencial", onde se acha insculpida a dignidade humana. Aquele princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria opção política maior de nosso legislador constituinte, a de instituir "Estado Democrático de Direito" (vide o “Preâmbulo” da Constituição da República de 1988), pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa que é a “fórmula política” (PABLO LUCAS VERDÚ) mais avançada da atualidade,1 a qual postula o respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos, a fim de que haja o maior atendimento possível de certos princípios - onde esses interesses se traduzem em valores -, com a mínima desatenção dos demais.
O princípio da proporcionalidade, tal como hoje se concebe, a partir do direito constitucional alemão, desdobra-se em três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas
disposições constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser atingido por
diversos meios, entre os quais se haverá de optar. O meio a ser escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do meio quando esse se mostra como "o mais suave" dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos agressivo dos bens e valores constitucionalmente protegidos, que por ventura colidem com aquele consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores com o mínimo de desrespeito de outros, que a eles se contraponham, observando-se, ainda, que não haja violação do "mínimo" em que todos devem ser respeitados. Após essa apresentação resumida, passemos a tratar em separado e mais extensamente deste princípio constitucional, considerando sua relevância para a teoria do direito contemporânea.
A questão central que se coloca, então, para enfrentar o problema do correto entendimento de uma Constituição e da ordem jurídica dela derivada, hoje, é a de se estabelecer o princípio e valor maior, à luz do qual se poderá esclarecer dúvidas quanto à forma adequada de equacionar o conflito entre os princípios da Democracia e do Estado de Direito. Tais princípios, em abstrato, aparecem como complementares, de modo que não se trata de nenhuma aberração a fórmula “Estado Democrá­tico de Direito”, sendo isso o que nos anima a considerar como pos­sível a existência de tal ­princípio superior e sintetizante, o qual, obviamente, não poderá ser ­nenhum dos demais, daqueles dois derivados, e de um modo geral re­feridos expressa e textualmente, na nossa Carta constitucional de 1988.
O princípio constitutivo e fundamental que procuramos se encontra, portanto, implícito e pressu­posto na reunião entre Estado de Direito e Demo­cracia, e sua função hermenêutica é a de hierarquizar, em situações concretas de conflito, todos os demais princípios a serem aplicados, ­forne­cendo, assim, a unidade e consistência de­sejadas.
Uma sugestão idealista aponta esse princí­pio ordenador como sendo a “idéia do Direito” (Rechtsidee),1 o que, porém, não se mostra plenamente satisfatório, por seu caráter subjetivo e abstrato, além de facilmente confundível com a Justiça ou qualquer outro dos valores e princí­pios subsumíveis aos princípios maiores que se pretende com ele harmonizar (Estado de Direito e Democracia). Não obstante, trata-se de uma sugestão valiosa, pois, tentando exprimir o que seja essa “idéia”, mostra-se um caminho para alcançarmos nosso intento. Para isso, vamos contentar-nos com a palavra do inspirado poeta maior da língua italiana, DANTE ALIGHERI, que se valendo da concisão es­clarecedora do latim, asseverou: Jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio. O Direito encerraria, portanto, essa idéia de proporção, real e pessoal, logo, concretamente determinável, de pessoa para pessoa, intersubjetivamente.
A conclusão a que se quer chegar, então, é a de considerar o princípio máximo procurado, que por sua es­pecialidade, tanto se diferencia dos demais, expresso na “máxima da proporcionalidade”. A imposição nela contida é a de que se realize através do Direito, concretamente e cada vez melhor, o que for ju­rídica e faticamente possível, para obter-se a oti­mi­zação no adequamento da norma, com seu ­dever-ser de entidade ideal, à realidade
existen­cial humana.1
É esse equilíbrio a própria idéia do Direito, manifestado inclusive na simbologia da balança, e é a ele que se pretende chegar, com Estado de direito e Democracia. Vale lembrar, com BROEKMAN,2 que “proporcionalidade”, “sopesamento”, equilibrium são idéias inerentes ao pensamento jurídico e a contrapartida necessária de uma "justiça poética”, pela qual se pode atingir uma "beauté géométrique", própria do Direito enquanto arte, em sentido próprio – e não, como mera técnica.
A proporcionalidade na aplicação é o que permite a coexistência de princípios divergentes, podendo mesmo dizer-se que entre esses e ela, proporcionalidade, há uma relação de mútua implicação,3 já que os princípios fornecem os valores para serem so­pesados,4 e sem isso eles não podem ser aplicados.
Da mesma forma como em sede de teoria do direito os doutrinadores pátrios apenas começam a se tornarem cientes da distinção entre regras e princípios, antes referida, também aos poucos é que estudiosos do direito constitucional e demais ramos do direito vão se dando conta da necessidade, intrínseca ao bom funcionamento de um Estado Democrático de Direito, de se reconhecer e empregar o princípio da proporcionalidade, a Grundsatz der Verhältnismäßigkeit, também chamada de "mandamento da proibição de excesso" (Übermaßverbot).
Infelizmente, nesse passo, não trilhamos o caminho seguido por constituintes de outros países, que cumpriram sua função já na fase atual do 
constitucionalismo, a qual se pode considerar iniciada no segundo pós-guerra. Isso porque não há previsão expressa, em nossa Constituição, do princípio em tela, à diferença, por exemplo, da Constituição Portuguesa, de 1974, que em seu art. 18o., dispondo sobre a "força jurídica" dos preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais - de modo equiparável ao que é feito, em nossa Constituição, nos dois parágrafos do art. 5o. -, estabelece, no inc. II, expressis verbis: "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Essa norma, notadamente em sua segunda parte, enuncia a essência e destinação do princípio da proporcionalidade: preservar os direitos fundamentais. O princípio, assim, coincide com a essência e destinação mesma de uma Constituição que, tal como hoje se concebe, pretenda desempenhar o papel que lhe está reservado na ordem jurídica de um Estado de Direito Democrático.
PAULO BONAVIDES, mestre de todos os que estudamos Direito Constitucional no Brasil – e, mesmo, fora do País -, refere o princípio da proporcionalidade, em seu manual, nas edições mais recentes, como o "que há de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo", e, adiante, a par do registro de não haver consagração do princípio em norma genérica de direito escrito entre nós, arremata: "A noção mesma se infere de outros princípios que lhe são afins, entre os quais avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em atentando para a passagem da igualdade-identidade à
igualdade-proporcionalidade, tão característica da derradeira fase do Estado de Direito".1
Daí termos acima referido a esse princípio como "princípio dos princípios", verdadeiro principium ordenador do direito. A circunstância de ele não estar previsto expressamente na Constituição de nosso País não impede que o reconheçamos em vigor também aqui, invocando o disposto no § 2o. do art. 5o.: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (etc.)".2 E o princípio da proporcionalidade é de ser entendido como uma norma que consagra uma garantia fundamental, absolutamente necessária ao aperfeiçoamento daquele “sistema de proteção organizado pelos autores de nossa lei fundamental em segurança da pessoa humana, da vida humana, da liberdade humana”, como refere RUI BARBOSA às garantias constitucionais em sentido estrito3 – as quais, para nós, não são essencialmente diversas dos direitos fundamentais propriamente ditos, que sem esse sistema de tutela, essa dimensão processual, não se aperfeiçoam enquanto direitos.

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